ESTUDOS E SERMOES
quinta-feira, 12 de junho de 2014
REFLEXÕES PADAGOGICAS
ARTIGO 06: REFLEXÕES PEDAGÓGICAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO, ESPORTE
E A AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
*
INTRODUÇÃO
Estas reflexões pedagógicas sobre
currículo pretendem
oferecer ao professor de Educação Física subsíd
ios para tomada de decisão de como devem ser realizadas as suas aulas.
Devese, no entanto, ter em mente que considerações sobre a Pedagogia do Esporte não podem ser enc
aradas como neutras em relação a valores, mesmo tratandose da confecç
ão de um catálogo de fatos. No momento em que alguns pontos são considerados
fundamentais, estes, ao mesmo tempo, informam o que eles - consciente ou
inconscientemente não levam em consideração. Assim deve ser discutido,
por exemplo, o que significa esporte do ponto de vista pedagógico, que ele é uma part
e da realidade social, que esta se desenvolve e se modifica, que não ex
iste o esporte, mas sim uma grande variedade de diferentes atividades des
portivas que aparecem de diferentes formas e que são realizadas com diferentes intenções.
A Pedagogia do Esporte encara o
esporte sob o ponto de vista da Educação e do desenvolvimento adequado de
crianças, adolescentes e adultos. Seu interesse, sobretudo, é o de contri
buir através do esporte para a Educação.
Para se esboçar uma teoria estr
uturada da Pedagogia
do Esporte, é necessário apresentar, de forma sistem
ática e ordenada, os
seus fundamentos.
Sejam razoáveis! Sejam humano
s! Uma abordagem pedagógica
sobre o ensino da educação física
**
Optamos por escrever especialm
ente sobre um tema da Educação Física humana porque sentimos a nece
ssidade, devido às crescentes preocupações existenciais e à crescente
noção de individu
alismo entre as pessoas, em todas as áreas da vida, de
pensar sobre como podemos melhorar nossa convivência. Disso o esporte e as instituições, nas quais educamos nossas crianças com e pelo esporte, não podem livrarse.
Inicialmente estamos preocupados
em saber o que realmente é a humanidade e de onde esse postulado ve
m. Num dicionário de História da Filosofia encontramos a seguinte descrição resumida: "Humanidade é o postulado de civilizações ocidentai
s. Resultado do
mundo espiritual greco-romano e transformado pela crença cristã, o fato ap
esar de algumas tentativas de rejeição não perdeu sua força de irradiação.
Todos os ensinamentos da humanidade referemse a ela, mesmo lá onde a palavra 'humanidade' é rejeitada, como, por exemplo, no 'humanismo real' remontado a
Karl Marx. Humanismo, como marca de época e movimento de sábios, como i
déia de cultura e progresso escolar didáticopedagógico, como conceito políticos
ocial e como conceito filosófico, é, apesar de muitas possibilida
des de significação, definív
el como uma ética, que temática a dignidade humana"
. (Rehn, 1974, p. 392)
Partindo dessa descrição ou explicação, devemos responder três perguntas. Essas perguntas
não podem ser respondidas
inequivo
camente. Para seu esclarecimento é necessário eviden
ciar os problemas e as dúvidas que somente nos surgiram quando nos ocupamos
mais intensivamente com este tema. Qualificamos o primeiro probl
ema com relação à racionalidade, e o segundo, com relação a particularidade.
1) Como um pensamento e uma ação
deveriam ser descritos quando estes consideram a dignidade do
homem como uma lei maior?
2) De que maneira poderíamos nos
aproximar deles (do pensamento e da ação), na educação e em aula?
3) O que isto significaria para a aula de Educação Física escolar?
O problema da racionalidade
A racionalidade é um modo de pensar
que caracteriza nossa época. Mas o que ganhamos com noss
o modo de
pensar, com nossa racionalidade nos últimos trezentos anos, desde a famosa
expressão de Descartes, "Penso, logo existo."?
É verdade que "a época dos esclar
ecimentos" nos mostrou que muitos de nossos medos são desnec
essários, que muitas vezes o medo é o meio utilizado a que alguém exerça o poder. Ce
rtamente devemos descobertas vitais e muitas das nossas atuais possibilidades
médicas ao modo de pensar técnicocientífico.
Mas a mesma tão festejada racional
idade também nos levou à beira do abismo. A separação entre pensar e agir, feita desde Descartes, provocou um medo muito maior, existenc
ial, o medo de uma guerra at
ômica e o da destruição. Nós todos
sabemos que quando o sent
imento não existe,
há possibilidade de tortura e cruel assassinato de milhar
es de pessoas. A racionalidade humana é neutra - um instrumento que pode ser us
ado tanto para o bem
como para o mal.
No início falamos de humanismo como
ética, mas agora, nesta visão, racionalidade não é uma cat
egoria ética. Sem uma determinação melhor, essa visão de racionalidade também n
ão poderá ser elevada à categoria.
Será que em vista da ameaça do fu
turo, sem exemplo na história humana, não se oferece nada diferente da racionalidade tão distanciada de nós?
Será que devemos preocuparnos com a morte de pesso
as e da natureza, com o sofrimento das v
ítimas submetidas ao poder
de interesses particulares?
Será que finalmente não poderá existir solidariedade entre os homens? E, para tal, é justamente
de aproximação que se necessita. Uma aproximação que nunca poderá se
r alcançada se
a racionalidade estiver tão distanciada de nós.
O problema da particularidade
Quando confrontávamos com o tema desse capítulo, víamos surgir um segundo problema, especialmente em s
ua parte relacionada com a "aula de Educação Física". Lembramonos de uma
metáfora, feita por um colega, em relação às parcelas cuidadosamente dividi
das das matérias escolares. Ele as comparou com canteiros numa horta, s
eparados por caminhos acurados e cada um cultivado por especialistas, que,
apesar de estarem explorando o jardim humano, pouco sabem uns sobre os outros.
Para nós ficou claro que a aul
a demonstrou um modo de pensar bem específico: um pensamento particula
r que separa a vida humana da aprendizagem; que constrói div
isas;
que esclarece o que pode ser feito e, conseqüentemente, o faz no campo da técnic
a; que, por exem
plo, diferencia esporte de outras matérias escolares im
portantes, como música ou matemática ou física, e que produz didáticas, cient
istas, disciplinas e professores especializados para cada matéria.
O fato não seria tão problemático
se, ao mesmo tempo, com isso, não surgisse uma cegueira fatal para probl
emas fora do âmbito específico. No pequeno campo da escola, professores das
diversas matérias brigam por prestígio, por maior carga horária, por sa
las espec
iais e melhorias financeiras. Cada representante de uma matéria tem raz
ões suficientes para introduzir seus conteúdos como especialmente valiosos e
importantes nas discussões. É claro que as crianças muitas vezes só são
vistas como potencial humano (Rumpf, 1983, p. 333), para a perseguição de metas e objetivos educacionais técnicoespecíficos. A conseqüência é o fracasso de
muitos alunos neste sistema escolar. Assim, a particularidade (ou o pensament
o técnico isolado) também não é uma categoria ética.
O que pode ser racionalizado e repr
imido no subsistema da escola como problema de alguns aluno
s intensificase em amplas relações sociais do
questionamento da sobrevivência. O modo
tradicional de pensar
de nosso mundo que, nas nações, em todos os espaços,
baseiase na segurança e na exploração de seu interior, provocou um arsenal de armas de destruição que não ameaçam somente a segurança de alguns
mas, provavelmente, devastarão a Terra. É claro que a intensidade dessa ameaça é ainda ma
is alta do que aqueles interesses particulares apresentados nas escolas.
E assim vivemos e educamos nossas crianças como se a bomba ou a morte por
fome não existissem. Por isso, muitos de nossos esforços nas escolas e uni
versidades parecem com a limpeza de janelas numa casa que está queimando.
Em relação ao questionamento da sobrevivência que atinge todos nós, a
racionalidade apreendida na escola é por demais insensata. Ela pode ser argumentável
e legitima para cada disciplina, no contexto de conteúdos escolares separados
e, também, os aspectos individuais de nossa atual situação de crises podem se
r tematizados em di
versas matérias. Sem a referência do sentido e noção do
todo na educação de nossas crianças, num mundo ameaçado, estes aspectos indi
viduais continuam contraditórios, confrontam-se e ficam,
assim, sem compromisso.
Mas, como a referência em relação à educação deverá necessariamente ter sentido para nossas cr
ianças, o que deve ser feito? Ou e com isso voltamos às perguntas inicia
is como um pensamento e uma ação dirigida por um conceito de humanidade,
que tematiza a dignidade do homem, deveriam ser descritos na escola?
Nas revistas especializadas ou em
palestras, tudo o que encontramos com relação a problemas didáticos e discussão pedagógic
a resume-se no tema que abordamos. As pequenas possibilidades
de influências que temos em escolas e em universidades são como um pi
ngo de água numa pedra quente. Mas se, apesar disso, ainda tentamos pensar dife
rente e combater o cinismo de nosso tempo e a irracionalidade da
racionalidade (conforme We
izsácker, 1977, p. 188), façamos isso conscientes de que não somos os únicos. Que há muitos colegas que, de modo similar, educam nossas crianças diante das questões de sobrevivência que nos atingem. É necessário analisar e discutir tais esforços e, com isso, sempre estimular a superação pedagógica.
Como deve ser descrito um proc
esso educacional dirigido pelo princípio humano?
Uma discussão diferenciada, tendo como meta de estudo a questão da humanidade, não pode ser feita de forma si
mples. Apesar disso, é necessário descrever critérios que devam dirigir
a prática educacional humana. Niss
o seguimos as exposições de Weiszãcker
(1977) sobre problemas básicos da humanidade. Ele, por exemplo, diferencia
duas áreas de comportamento racional:
1. Um comportamento é racional
quando se pode dar explicações justas sobre as razões deste comportamento.
A racionalidade, neste sentido, busca
relações causais, pergunta sobr
eas causas e efeitos, consegue meios pa
ra atingir fins já definidos e que não refletem algo além dele. Neste sentido, denominamos, também, a racionalidade como pensamento particular. É um pens
amento entre parênteses. Aqui são descritas, então, regras cuja relação de
sentido está fora dos parênteses e, conseqüentemente, não é incluída no pensa
mento científico. Neste sentido, usamos o conceito de racionalidade nas
exposições feitas até agora.
2. Um comportamento é racional
quando se encontra em comum acordo com interesses próprios e com critérios interpessoais devalores.
Aqui, duas condições são citadas: o interesse e os critérios interpessoais de valores. O autor def
ine um pensamento e uma ação que se entende como percepção de um todo e que,
primeiramente, esclarece os interesses do indivíduo e do grupo como
s
ensatos e humanos. Mas, o que deve ser entendido por todo? No contexto de
nossos pensamentos, até agora, só podemos descrever o todo como a vida de
todos os homens num futuro digno destes.
Mesmo quando a transposição didát
ica desse todo representa um problema quase insolúvel, do
is critérios podem ser usados para uma primeira tentativa de transposição:
1. O todo como perspectiva de meta e objetivo deve ser reconhecível na totalidade do caminho. Não é o
objetivo que consagra os meios, mas somente os meios consagram o objetivo. Assim, o caminho da humanidade é único, mas em rela
ção a cada homem é um caminho integrador de racionalidade, s
entimento e corporalidade.
2. Uma ação humana sensata tem condições de alterar interesses particulares em benefício do intere
sse social e no sentido em que o outro é reconhecido como homem com t
odos os seus sentimentos. Isso só ocorre autenticamente quando ta
mbém podemos renunciar aos desejos e metas pessoais que def
endemos. Para tal, torna-se necessário abandonar ambições pe
ssoais e interesses próprios.
A ação humana na educação e na aula
Voltemos sobre a pergunta geral s
obre pensamento e ação humana na educação e na aula. Tão geral quanto abstrato
possa parecernos esse princípio, tão radicalmente exige
que mudemos o pens
ament
o sobre nossa ação educadora. Pois aqui não se exige nada menos que a desistência do pensamento particular e, com isso, a desistência de uma maneira de pensar que, como vimos na introdução, domina a escola e a aula.
É importante que, par
a nós, a radica
lidade da exigência "sejam humanos" fique clara. Quantas vezes dissemos
essa frase sem consciência e, na melhor das hipóteses, ligan
do-a a um apelo moral aos alunos, no interesse de uma aula sem interrupções e respeito
sa. É claro que a radicalidade dessa exigência também poderia desanimarnos
frente às obrigações limitadoras. Será sensato pensar em passos
pequenos se não quisermos capitular logo de início uma pretensão grande demais. Para escl
arecer esses pequenos passos, seriam oportunos exemplos de aula. Indicaremos adiante: exemplo prático de aula aberta às experiências. Agora só transmit
iremos os pensamentos gerais que devem ajudar a analisar o princípio didático
básico do pensamento e da ação humana na aula de Educação Física escolar. Limitamo
nos a trabalhar com três exigências:
Professor e Alunos Planejam a Aula
Conjuntamente (os Alunos Aprendem a Assumir Responsabilidades para o Futuro)
Estamos acostumados, especia
lmente na área do aprender, a nos movimentar, a basear nossos planos de en
sino e aulas em caminhos metódicos de resultados científicos e de pesquisa. Ma
s justame
nte com tais costumes de planejamentos tradicionais usamos formas particulares de pensamento. Vimos que racionalidade científica não passa de
um pensamento entre
parênteses, pois desconsidera a orientação de sentido e não
reflete objetivos, para os quais coloca os meios, à disposição, adiante. As me
tas, objetivos e idéias de orientação e normas de educação e aula não podem ser
argumentadas por investigações científicas. Isso não quer dizer que poderíamos planejar coisas futuras sem ou contra resultados de investigação científi
ca. Mas um planejamento participativo engloba a reflexão de exigências, que precisa de motivação e liberdade e não da impossibilidade da participação
dos indivíduos no proc
esso educativo. Essa motivação e essa liberdade, refletindo cois
as futuras, estão incluídas no conceito de responsabilidade e são categorias
direcionadas, especialmente, ao comportamento entre humanos ("Sou re
sponsável por...", "Sou responsável perante...") Assim, a responsabilidade é uma categoria que transpassa o comportamento particular, o racional e o de interesses.
Mas aprender a ter responsabilidade, para o futuro, só dá bons resultados quando a separação entre a co
mpetência de decisão a ser afetada é extinta, quando crianças podem experimentar essa rela
ção de efeitos no próprio corpo.
Os Processos de Aprendizagem
Devem
ser Realizados com Aberturas às Experiências
Na escola, estamos acostumados a sistematizar e metodizar conteúdos e, com isto, os dividimos em passos
separados de aprendizage
m. Isto também ocorre na aula de Educação Física. Nela enc
ontramos seqüências de treinamento que se aproximam das formas finais de
movimento esportivo. Espera-se uma qualificação sistemática para
a realidade social significat
iva do esporte através de instruções direcionadas
de movimento, programas de
ensino e formas de treino de circuito e intervalo. Tal desmembra
mento atrapalha uma discussão ativa com o meio ambiente material e social. Ela bloqu
eia importantes font
es de experiências corporais e mentais que - como Piaget
provou em seus trabalhos -representam condições prévias necessárias ao desenv
olvimento da personalidade. Não há o que substitua as experiências indivi
duais que adquirimos com o manuseio autônomo da realidade social e
efetiva, escreve Piaget (1973, p. 268). Por isso, aaula de Educação Física escolar deveria
ser feita como um processo que reconhece a principal nãoint
egridade de processos de experiências. Assim, deve ser permitido ao aprendiz trazer suas parti
cularidades (corporais e espirituais), sua identidade corporal fo
rmada no decorrer da sua vida. Fazer experiências nesse sentido quer dizer ouvir os própr
ios acontecimentos internos, perceber o que as coisas e pessoas, bem como suas ações, provocam dentro de nós. Em si, é espantoso que em nossa área só se dê
valor a tais processos de aprendizagem quando as identidades já
estão prejudicadas.
Os Conteúdos de Aprendizage
m Devem Referirse a Relações de Vida Cotidiana Fora da Escola
Estamos acostumados a aprender os conteúdos da aula de Educação Física no sentido da ação particular nas modalidades esportivas e a aceitar sem reflexão crítica o pensam
ento particular do esporte, fi
xado em sobrepujar a concorrência, quantificação e normatiza
ção. Quase não percebemos que nisso não levamos em consideração a situação diária de movimento dos alunos. Também nas aula de Educação Física, as técnicas normatizadas do basquete ou do voleibol são ensinadas apesar de os
alunos não terem a possibilidade de realizar tais atividades de
movimento no seu tempo livre.
Relação de vida significa trazer
as possibilidades de jogo e de movimento do mundo cotidiano dos aluno
s para a aula de Educação Física, tematizálas de maneira a retroagirem no mundo cotidiano de jogo e provocar uma ampliação das possibilidades de jogo e de movimento. Esse é o conteúdo da reflexão crítica e da transformação
de espaços existentes de jogo e de movimento, bem como da própria f
abricação de aparelhos de jogo e de movimento. Mas relação de vida também
significa - e aqui achamos que se trata de um ponto muito importante
o respeito, a manutenção
e a volta produtiva da própria cultura brasileira de jogo e de
movimento, crescida historicamente. Somente a orientação conjunta para uma
colocação de meta determinada, onde o conteúdo temático permite reconhecer as relações de efeitos, poderá permitir entender as condições às quais devemos nossa vida.
Tal orientação de conteúdo deve se
r direcionada para o todo, para a sobrevivência de todos os homens num
futuro não muito distante. A seguir, tentaremos mostrar o pont
o de partida de uma proposta alternativa de Educação Física escolar.
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